Processo de Extração e Beneficiamento da Fibra de Buriti

O buriti (Mauritia vinifera, Mart.), uma planta da família das palmáceas, denominada também de meriti, muriti, muruti, coqueiro-buriti, boriti, carandá-guaçu ou carandaí-guaçu, é uma das maiores palmeiras do Brasil, podendo chegar a trinta e cinco metros de altura. Os indígenas deram-lhe o nome de mbiriti que, em tupi-guarani significa “árvore que emite líquido”, "aquele que contém água", ou "árvore da vida". O buriti se desenvolve em terrenos pantanosos e muito úmidos, em áreas brejosas ou permanentemente inundadas. Por essa razão, é também chamado “palmeira-dos-brejos”.
Essas palmeiras crescem em agrupamentos quase homogêneos, conhecidos como “Veredas de Buritizais”. Uma única árvore chega a produzir cerca de três toneladas de cocos, que são consumidos por vários animais silvestres. O buriti está presente da Amazônia até São Paulo, sendo abundante na Região Norte – Pará e Amazonas – e no Nordeste do Brasil – Maranhão, Piauí e Ceará. Ele possui folhas grandes que formam uma bela copa, flores amarelas, tronco com diâmetro entre 30 cm e 50 cm, cachos com 2 m a 3 m de comprimento, e frutos cobertos de escamas avermelhadas e lustrosas. A árvore frutifica de dezembro a junho. Um quilo de sementes (ovaladas) contém cerca de trinta e cinco unidades, e elas são cobertas por uma polpa amarela.
Os naturalistas estrangeiros incluíram o buriti no grupo das “árvores da vida”, porque ele atende grande parte das necessidades do ser humano. Praticamente, dele tudo se aproveita. As folhas, compostas por fibras muito resistentes, são utilizadas para cobrir casas; das espádices (espigas), mediante incisões, se extrai um líquido doce e cor de rosa que, ao fermentar, se transforma no vinho de buriti; a medula do tronco fornece uma fécula, chamada ipurana, que se assemelha ao sagu; de seu broto terminal, é possível se retirar um delicioso palmito; e a polpa amarela dos frutos - bastante açucarada, carnuda e oleosa - é empregada na confecção de doces, sucos, licores e sobremesas. Cabe salientar que o doce de buriti é muito saboroso, sendo bastante consumido nos Estados do Pará, Maranhão, Ceará e Piauí. Algumas substâncias extraídas do buriti também dão aroma, cor e qualidade a vários produtos de beleza, tais como cremes, xampus, filtros solares e sabonetes.
No artesanato nordestino são produzidas muitas peças com as palhas do buriti, retiradas das folhas velhas. O talo mais duro serve para se fazer cestas e cabos de vassoura; as tiras mais grossas são usadas na fabricação de tapetes e esteiras; e, com as mais finas, são confeccionados bolsas, peneiras, móbiles, toalhas de mesa, brinquedos, bijuterias,chapéus e cordas, bem como peças em crochê, macramé e “ponto batido” (tecelagem manual utilizada na fabricação de redes). Em vários municípios do Maranhão, a exemplo de Barreirinhas e Tutóia, as artesãs aproveitam a palha em seus trabalhos. As folhas jovens produzem uma fibra muito fina, chamada “seda” do buriti, com a qual as artesãs fazem lindas peças. Os talos das folhas são aproveitados para fazer móveis que, além de leves, são resistentes e bonitos. E as raízes do buriti possuem qualidades medicinais.

Etapa 1 - Obtenção do "Olho"da palmeira de buriti
Todo o processo de extração e beneficiamento da fibra de buriti começa com a obtenção do "Olho" da palmeira que consiste da folha mais jovem (broto) que deverá ser retirada antes da abertura dos folíolos. Entretanto para que se possa extrai-lo deve-se tomar alguns cuidados: Primeiramente o "olho" só poderá ser coletado se parte do pecíolo estiver exposto (aproximadamente um palmo); não se deve coletar o "olho" de um espécime que já teve seu broto extraído recentemente, o ideal é intercalar as retiradas, ou seja, deve-se deixar que entre uma retirada e outra pelo menos que um "olho" permaneça na palmeira, sob pena de matá-la se o processo de obtenção do broto ocorrer de forma contínua.
Durante o processo de obtenção do "olho", o "tirador" (indivíduo com habilidade e conhecimento necessários para subir na palmeira) localiza o espécime ideal com "olho" no ponto de ser extraído e com o auxílio de uma "peia" (espécie de laço confeccionado com a palha de buriti que envole os pés do tirador durante a subida na palmeira atribuindo-lhes maior aderência a superfície do caule da árvore, facilitando assim a subida) o tirador sobe na palmeira levando um facão preso à cintura que é utilizado para cortar o "olho" e assim retirá-lo. O processo de subida é uma etapa de grande perigo para o "tirador" que além do risco de queda pode encontrar animais peçonhentos como cobras e aranhas no alto do buritizeiro.
Após o corte do "olho", o mesmo é arremessado verticalmente de forma a não danificá-lo (abri-lo) ao cair.
 
Confecção da "peia" para auxíliar na subida da palmeira.

Subindo na palmeira de buriti.


Corte a arremeço do "olho".

Etapa 2 - Extração do "linho" de buriti
Após receber o "olho" das mãos do tirador, a artesã dá início ao processo de extração do "linho" que se caracteriza por uma película muito fina que com o auxílio de uma pequena faca é retirada, fazendo-se uma leve incisão na superfície de cada folíolo que integra o "olho", sendo o linho posteriormente "puxado" em movimento característico para separá-lo da palha (borra).
A extração do "linho" deverá ocorrer o mais rápido possível após a retirada do "olho", fato que influirá na qualidade final da fibra que será empregada na manufatura dos produtos. Entretanto em virtude da quantidade de "olhos" disponibilizados e da demora no processo de extração do "linho", tal procedimento poderá ocorrer de um dia para o outro. Neste caso é importante que os "olhos" sejam acondicionados em local onde não haja a incidência de luz solar que provoca o resecamento da fibra, fato que poderá impossibilitar a extração do "linho".


No detalhe observamos o "linho" sendo extraído da superfície do folíolo do "olho" da palmeira de buriti.

Linho (fibra) de buriti in natura.
Etapa 3 - Tratamento do linho
Após sua extração dos folíolos da folha, o linho (fibra) precisa passar pelo processo de cozimento para que o mesmo tenha mais qualidade e obtenha mais durabilidade. Se a fibra não passar pelo processo de cozimento, a mesma adquire em um breve espaço de tempo uma coloração escura, processo que as artesãs classificam como indesejado dizendo que "o linho ficou roxo" e não poderá ser empregado na manufaura das peças. Para evitar a perda total total da matéria-prima, procede-se então com a coloração do mesma, tornando-a apropriada para o emprego nos produtos.
Quando a artesã opta por manufaturar um produto sem coloração, o linho é cozido apenas com água o suficiente para submergi-lo juntamente com fatias de limão que segundo algumas artesãs proporciona um aspecto mas claro à fibra. Esse procedimento não deve ultrapassar cinco minutos desde o momento da fervura, sob pena da fibra enfraquecer ficando quebradiça e sem possibilidade de ser empregada na manufatura das técnicas artesanais que exigem elevada resistência mecânica onde destacam-se o macramê e as tecelagens realizadas no tear (batimento e carreira).
É também durante o cozimento do linho que ocorre o processo de pigmentação do mesmo, podendo-se utilizar corantes de origem vegetal obtidos de folhas, frutos, cascas de caule e raízes. No caso do pigmento de origem artificial utiliza-se anilina para coloração dos filamentos de linho, também submentendo-os ao processo de cozimento.
A pigmentação da fibra pode ser realizada em dois momentos: Imediatamente após a extração do linho ou posteriormente, bastando que o linho esteja com sua tonalidade natural, ou seja, sem que o mesmo ainda não tenha passado por processo de coloração.
 
Artesã Paula cozinhando o linho sem corante apenas com água e fatias de limão.
A mestra artesã D. Preta colorindo a fibra de buriti com pigmento vegetal extraído do urucum.
Artesãs do Grupo Mulheres de Fibra colorindo suas fibras com pigmento artificial (anilina).
Após o cozimento a fibra deverá passar pelo processo de secagem para deixá-la no ponto para ser utilizada na confecção das peças. Esse processo também requer alguns cuidados, principalmente para não deixar a fibra muito rececada quando a mesma é exposta ao sol.
O processo de secagem deve ocorrer ao ar livre preferencialmente ao longo da noite. No caso da secagem durante o dia, a fibra deverá ser exposta em local arejado sem a incidência direta de raios do sol, pois o mesmo além de resecar o linho, no caso em que existe a utlização de pigmentação pode provocar a descoloração da fibra, deixando o tom da cor utilizada muito fraco e com aspecto de baixa qualidade.

Linho colorido secando em local arejado e na sombra.

Etapa 4 - Preparação do linho
Depois de seca a fibra é então direcionada para a técnica a ser confeccionada, fato que exige o preparo prévio da mesma. A saber:
Se  as técnicas a serem realizadas forem "crochê" ou confeccionadas em tear de parede ("batimento" e "carreira"), o linho será escolhido e separados os filamentos finos dos grossos, sendo o mesmo emendado, torcido (fiado) e transformado em novelos; quando a técnica de tecelagem a ser empregada for o "macramê" os filamentos de linho são separados de acordo com suas espessuras e tamanhos, seguindo-se o mesmo procedimento na técnica da "tela".

Novelos de linho para a execução da técnica de "crochê".